quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

SOBRE O FUSO HORÁRIO DO ACRE

A Constituição Federal prevê o referendo e o plebiscito como formas de CONSULTA popular. O referendo está previsto nos artigos 14, inc. II e 49, inc. XV da carta política brasileira.
O quê é o referendo? “O referendo é uma consulta. Porém, é importante destacar que o referendo é a consulta ao povo feita DEPOIS da aprovação de uma lei, seja ela complementar, ordinária ou emenda à Constituição. No plebiscito, ao contrário, a consulta é feita ANTES da elaboração da lei.
Pelo Decreto Legislativo do Congresso Nacional, de nº 900/2009, o povo do Acre foi consultado sobre a conveniência da mudança do fuso horário operado pela Lei 11.662/2008.
No pleito próximo passado, a população do Acre, expressando sua vontade soberana, sem lugar a dúvida, dada a expressiva maioria do NÃO, rejeitou a mudança operada pela lei retro mencionada.
Pois bem, restou a polêmica sobre a partir de que momento deve ser restabelecido o antigo fuso horário do Estado do Acre.
Para uns, o referendo, por si só, é o ato legislativo necessário e suficiente com o qual se faz cumprir a vontade popular; para outros, impõe-se a necessidade de elaboração de uma nova lei que restabeleça o fuso horário apontado pela população.
Dada essa polêmica, há desdobramentos das duas posições. Enfim, reina uma grande dúvida de como deve ser reimplantado o antigo fuso horário.
A questão não é política; é jurídica e de processo legislativo.
Os jornais de hoje noticiam que se pretende fazer uma consulta ao Supremo Tribunal Federal. Com a devida venia, discordamos do encaminhamento. O Supremo não é órgão consultivo.
A questão parece muito simples, sob a ótica do Direito Civil e do Processo Legislativo.
Para que o referendo tivesse aplicabilidade imediata, no sentido de restabelecer o horário anterior, era necessário que tal situação já fosse prevista na Lei 11.662/2008. A lei é omissa sobre a questão.
Salvo melhor juízo, muito embora não sejamos civilistas nem especialistas em Processo Legislativo, acreditamos que o restabelecimento do fuso horário anterior, dada a omissão da Lei 11.662/2008, passa, necessariamente, pela feitura de nova Lei, da mesma hierarquia, que regulamente o novo fuso horário.

Por que assim afirmamos? É princípio elementar de Direito Civil de que a revogação é o fenômeno pelo qual uma lei perde a sua vigência. Esse fenômeno deve ocorrer, haja vista o dinamismo da vida social e a complexidade das relações, se fazendo necessárias inúmeras adaptações de Ordem Jurídica.

Uma lei perde sua vigência em algumas situações específicas, quais sejam: revogação por outra lei, desuso e decurso de tempo. São apenas essas três hipóteses para se revogar uma Lei.
No caso só existe uma única hipótese para se revogar a Lei nº 11.662/2008 que alterou o fuso horário do Acre: a elaboração pelo Congresso Nacional de uma nova Lei.
A Lei 11.662/2008 não previa o que aconteceria caso o povo, consultado no referendo, não concordasse com o fuso horário nela previsto.
Não há escapatória, há a necessidade de uma nova Lei que regulamente o fuso horário a ser adotado segundo a vontade expressada na consulta popular.

Valdir Perazzo Leite é Defensor Público

Gilliard Souza é Assessor Jurídico da Defensoria Pública do Acre

Roraima Rocha é Estagiário da Defensoria Pública do Acre

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O HAITI É AQUI!

Em janeiro de 2010 o Haiti viveu uma tragédia de proporções diluvianas. O forte abalo sísmico levou à morte mais de 200 mil pessoas. Trezentas mil pessoas foram feridas. Mais de quatro mil tiveram membros amputados.
Passados mais de doze meses o país ainda está longe de alcançar o mínimo de normalidade. A ajuda humanitária da comunidade internacional não tem sido suficiente para que o povo sofrido daquele país se restabeleça da tragédia.
Estivemos em Brasiléia a serviço da Defensoria Pública, eu e o assistente jurídico, Gilliard Souza.  Ali permanecemos do dia 11 ao dia 16 deste mês. Constatamos in loco o sofrimento dos haitianos que batem à nossa porta pedindo socorro.
Diariamente víamos aqueles jovens perambulando pelas ruas e praças da cidade. Decidimos fazer-lhes uma visita e ouvir os seus dolorosos relatos da viagem até o Brasil e como estão vivendo no nosso meio.
Na sua maioria esmagadora são jovens, cujas idades situam-se entre 20 e 35 anos. São bem apessoados, decentemente vestidos, no aspecto pessoal. No trato social são atenciosos, cordatos e comunicativos. No geral, têm bom nível intelectual. Muitos deles são professores e falam mais de uma língua.
No Ginásio de Esporte onde estão precariamente acomodados, ouvimos do líder do grupo o relato de suas dificuldades para se estabelecerem no país que julgaram poder acolhê-los: o Brasil.
Muitos deles fizeram o percurso de Iñapari (Peru), até o Brasil andando a pé, dia e noite, e se alimentando precariamente.  
Há mais de dois meses vivem coletivamente no referido ginásio.  Não há lençóis, os colchões são insuficientes, muitas vezes têm apenas uma refeição diária.   
Estas dificuldades materiais não os desanimam. Observamos que a principal queixa refere-se à lentidão para a emissão dos documentos  que os habilitem a buscarem um posto de trabalho nos Estados que disponham de maior oferta, a exemplo de Rondônia e São Paulo.
Os documentos - dizem – vêm sendo emitidos, mas, não com a celeridade que suas situações dramáticas exigem. Estão a dois meses sem trabalhar. Para trás, muitos deixaram mulheres, filhos, irmãos e pais desamparados.
Na nossa avaliação constatamos que lhes faltam interlocutores oficiais. Disseram-nos que apenas interagiam com um representante da Prefeitura Municipal e com a  Polícia  Federal. Sem se falar do apoio - louvável – que recebem das  Igrejas.
Munidos dos devidos documentos que os habilitem ao trabalho, rapidamente o grupo se dispersaria – pensamos – dentro do imenso território brasileiro. Sem os documentos, ficam vulneráveis ao recrutamento para a criminalidade.
Percebemos que há certa má vontade em acolher os haitianos. Muitos alegam que vão ocupar postos de trabalho que seriam dos brasileiros. Um equívoco! Um país como o Japão, com superpopulação, é, ainda hoje, receptor de imigrantes pobre, inclusive do Brasil. Os Estados Unidos é uma potência graças à imigração que recebeu. 
Somos um país cristão. Não podemos esquecer que a Bíblia está permeada de ensinamentos relativos à hospitalidade com o estrangeiro. Diz o Deuteronômio: “Lembra-te que foste estrangeiro no Egito”.

Valdir Perazzo é Defensor Público de 2º Grau
Gilliard Souza é assessor jurídico


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Exercitando o contraditório

O presidente e vice – presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Acre, a propósito do movimento dos combativos Advogados independentes, que subscreveram moção de apoio ao Conselho Federal, que ingressou com ADIN sobre a pensão concedida aos ex-governadores acrianos, fez publicar na impressa local artigo dando as explicações que julgaram necessárias à opinião pública do Estado.   Exercendo o contraditório e restabelecendo a verdade – “conhecereis a verdade e a verdade vós libertará” já dizia o amoroso nazareno – com o presente artigo faz-se a réplica necessária.Mesmo não tendo procuração outorgada pelo doutor Aderbal Maximiliano da Fonseca, e em respeito a sua ausência, sinto-me no dever de fazer a sua defesa.
Os articulistas insinuam que quando o eminente Dr. Aderbal Maximiliano da Fonseca exerceu a presidência da OAB, em suas gestões, só teriam havido trevas. Que a história da OAB acriana teve inicio com eles, articulistas.
Talvez seja oportuno refrescar as memórias dos autores do aludido escrito. Dentre tantas coisas positivas que o Dr. Aderbal Maximiliano da Fonseca fez pelo Acre, uma delas, a título de exemplo, e trazendo luz aos fatos, foi que, enquanto presidente da OAB/AC,  o primeiro tornou-se advogado. Das mãos do Dr. Aderbal Maximiliano da Fonseca, o primeiro articulista recebeu a carteira que o habilitou ao exercício da advocacia.
Os articulistas lançaram vários insultos contra os que julgam serem seus adversários, taxando-os de desonestos, mentirosos e oportunistas. O ódio deve-se ao fato de que os referidos advogados  subscreveram representações ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ao Procurador Geral da República, e  moção de apoio ao bastonário presidente nacional da OAB.
Nós que somos da oposição ao presidente da OAB/AC, mas,  seus colegas, não os merecemos e os rechaçamos. Até certo ponto se justificam, dada as condições emocionais do presidente com o episódio que tanto o incomodou. E ainda continua incomodando.
Não os merecem os Ilustres Conselheiros Estaduais, e até uma magistrada federal, integrantes da chapa que elegeu os articulistas. Esses ilustres personagens também subscreveram os documentos.
Para os anais da história da OAB/AC, faz-se necessária a recolocação da verdade em seus devidos termos. Em quatro anos dirigindo a OAB acriana, nunca foi exibido um mísero expediente dos articulistas, demonstrando qualquer providência tomada visando provocar a OAB federal, no sentido de propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a emenda constitucional que outorgou pensão à ex-governadores acrianos. Desafio para que o façam!
Finalmente, eis a verdade.
No dia 7 de fevereiro de 2011, uma vez anunciado o movimento pela manhã, prevendo-se a realização de ato público na manhã do dia seguinte,  com destaque em todos os meios de comunicação, à noite do mesmo dia, estava proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Para melhor esclarecimento aos acrianos, a quem tentam os articulistas confundir, em suas posições camaleônicas, a ação já estava pronta naquele dia. A OAB já tinha proposto igual ação contra outros Estados da federação. Era só modificar o nome do réu e sua qualificação. Com um simples telefonema os articulistas evitaram ser pegos de “calças curtas” na sua flagrante omissão denunciada pelos advogados independentes.
Todos nós acrianos e brasileiros que anelamos por um país democrático, onde deve imperar a lei e a justiça, torcemos para que, na próxima quarta feira, em que será julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade do Estado do Pará, ADIN nº. 4552, tendo como relatora a Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, seja subsequentemente editada Súmula Vinculante que restabeleça a autoridade da Lei e da Constituição da República brasileira.  

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Assistência Jurídica Integral e Gratuita aos Necessitados

As últimas constituições brasileiras asseguraram assistência jurídica aos hipossuficientes. Também o fez a constituição atual.   É a dicção da constituição cidadã de 1998: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

A nota diferenciadora da constituição atual em relação às anteriores, é que a vigente criou um instrumento para viabilizar os direitos individuais dos necessitados: A Defensoria Pública. As constituições anteriores previram o direito, mas não o mecanismo para concretizá-los.
O modelo, portanto, de prestação jurídica pelo Estado brasileiro é o puro; não é o misto. A prestação de assistência jurídica deve ser feita por uma instituição estatal (Defensoria Pública).
Ocorre que, mesmo o modelo de prestação jurídica sendo o estatal, o Código de Processo Penal – área em que atuo – depois de sofrer reformas pontuais que culminaram na modernização do devido processo penal, remanesceu a possibilidade de o juiz nomear defensores dativos, o que está insculpido na norma do art. 265 da lei adjetiva.
As nomeações onde inexistem defensores públicos,  ou onde o serviço é deficiente estavam existindo? A resposta é positiva.  Diga-se de passagem,  sem nenhuma interveniência da Defensoria Pública, órgão estatal através do qual deve se dar a prestação jurídica integral e gratuita.
A constituição federal, no título que trata dos direitos e garantia individuais, prevê vários direito. Liberdade de opinião. Liberdade de profissão. Liberdade religiosa. Para esses direitos serem exercitados, há necessidade de regulamentação.
Repise-se. O nosso modelo de prestação jurídica integral é estatal. As situações excepcionais de prestação jurídica por defensores dativos precisam ser regulamentados.
Sou favorável ao “Termo de Cooperação Entre o Poder Executivo do Estado do Acre e o Poder Judiciário do Estado do Acre, com a interveniência da Defensoria Pública”.
Não pode haver nomeação de defensor dativo – como ocorria – sem que haja um balizamento estatal e fiscalização dos serviços a serem prestados pela própria Defensoria Pública.
O termo impede os abusos na fixação de honorários e aponta quem deve promover a fiscalização dos serviços, como bem o demonstrou o nosso Defensor Público Dr. Dion Nóbrega Leal.
Não acho que a Defensoria Pública do Estado do Acre é o “patinho feio” da Frente Popular do Acre – FPA, como afirmou o nosso Conselheiro Federal da OAB, Dr. Renato Castelo de Oliveira. Faço essa afirmação como alguém que exerce sua atividade de defensor público  de forma suprapartidária.
Estamos num processo de estruturação. Em 2001 a Defensoria Pública do Acre nasceu com a Lei n° 96/2001. Em 2010, a Defensoria Pública do Acre conquistou suas prerrogativas mais vistosas: remuneração dos seus quadros mediante subsídio, eleição democrática dos seus dirigentes  e autonomia orçamentária.
Dr. Dion Nóbrega Leal, em declarações prestadas ao site CONTILNET, garantiu empenhar-se pela realização de concurso público para preenchimento das dez vagas existentes, realinhamento dos subsídios dos defensores públicos, ora defasados, promoções dos defensores públicos que devem ser promovidos e fortalecimento material da instituição.
Sou favorável ao termo – regulamentou um buraco negro e terra de ninguém -, desde que o Governo comprometa-se, publicamente, com realização de concurso público para preenchimento das atuais vagas de defensores públicos, reajuste os  subsídios dos defensores públicos, faça as devidas promoções e promova a estruturação material da Defensoria Pública.